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Published janeiro 30, 2024
Existem muitas coisas que caracterizam a vida cristã, mas viver sobrecarregado pela culpa não devia ser uma delas. Entretanto, muitos cristãos, por causa de definições equivocadas, vão impor a si mesmo um terrível fardo de culpa.
 
Um exemplo disso é o termo “Mundanismo”. Todo cristão já ouviu essa palavra centenas de vezes. Todos sabem que o cristão deve evitar o “mundanismo”. Mas o que ele é de fato? Refere-se ao mundo, claro. Mas em que sentido?
 
Considere, por exemplo, essas três definições populares do “mundanismo” e veja como são impossíveis de aplicar de forma coerente:
 
1. MUNDANISMO É TUDO AQUILO QUE O MUNDO CURTE. Geralmente se usa essa definição para proibir qualquer moda do momento. O cristão não pode aplaudir aquilo que o mundo aplaude. Mas veja bem: o mundo curte um lindo por-do-sol. E também um copo de água gelada em um dia quente. Como também ter filhos obedientes e um carro que não necessita de assistência mecânica. Seria pecado para o cristão também apreciar estas coisas?
 
2. MUNDANISMO É TUDO AQUILO QUE NÃO É FEITO POR PESSOAS CRISTÃOS, OU POR PROPÓSITOS CRISTÃOS. Essa definição é aplicada especialmente as artes. Uma música é boa se for tocada por uma banda Gospel. Mas qualquer outra banda seria mundana. Um livro de fantasia é bom se escrito por C. S. Lewis, mas deve ser rejeitado se o autor for incrédulo. Mas é impossível implementar este principio no dia-a-dia. Quando abasteço meu carro, não procuro saber se a gasolina foi produzida por cristãos. As compras na feira provavelmente não foram plantadas em uma fazenda de cristão. Meu cartão de crédito não foi inventando por um cristão visando a expansão do reino de Deus.
 
3. MUNDANISMO É TUDO AQUILO QUE PODERIA SER USADA PARA PROPÓSITOS MALIGNOS. Perceba que o foco está no “potencial”. Logo, se alguém em algum lugar do mundo consegue usar um ritmo de música para fins impios, o ritmo como um todo é rotulado como “mundano”. Recordo a opinião de um irmão sincero que dizia que o piano – por ter sido usado para tocar músicas leves nos “saloons” do velho oeste (estabelecimentos de prostituição) – não devia ser usado nas igrejas batistas. Mas persiste a dificuldade de ser coerente. Pois a depravação humana tinge todo aspecto da nossa realidade, e portanto tudo tem o ‘potencial’ de ser usado para fins impróprios – seja hospitais, a internet, ou cultos religiosos.
 
O X DA QUESTÃO
 
Essas três definições acima tem algo em comum: nas três o mundanismo é algo EXTERNO do homem. Ou seja: o mundanismo se refere a um lugar, um ato, um estilo ou preferencia, e o cristão que deseja rejeitar o mundanismo, tem somente de evitar esses lugares, usos ou hábitos.
 
Parece uma solução fácil. Mas perceba a frustração do cristão que, bem intencionado e com vontade de obedecer a Palavra de Deus, ao tentar ser 100% diferente do mundo, sempre descobre alguma semelhança com ele. E assim brota a culpa – não necessariamente por convicção do Espirito Santo, mas por se abraçar uma expectativa irreal e inatingível.
 
A solução, para muitos, é afogar sua culpa com uma postura ainda mais rígida. Caso vivessem em outra época, optariam pela vida monástica, isolando-se de qualquer contexto ‘mundano’.
 
UM MUNDO DENTRO DE MIM
 
Nas Escrituras, graciosamente, essa questão é bem mais simples. Em 1Jo 2.15-17 encontramos uma definição bíblica. O mundanismo, em última analise, não se refere as coisas externas. Antes, é interno, nascendo no nosso próprio coração, e sendo alimentado pelos desejo da carne, dos olhos e o orgulho. Mundanismo é idolatria. É o estado do mundo caído que não consegue dobrar seu joelho e submeter-se ao Senhorio de Jesus Cristo. É amar e adorar as coisas terrenas como se fossem deus. É imaginar que nossa própria glória eventualmente satisfará todos os ensejos da alma.
 
É nesse sentido que somos NO mundo, mas não DO mundo. Não servimos o deus deste mundo. Não obedecemos mais aos “princípios elementares deste mundo” (Col 2.8, NVI). Através desta lente também entendemos como aqueles que “desejam ser amigos do mundo, tornam-se inimigos de Deus” (Ti 4.4).
 
Uma definição bíblica e clara faz toda a diferença. Destaco, por exemplo, duas implicações:
 
Primeiro, perceba como o mundanismo é muito mais próximo a nós do que imaginamos. Posso estar cantando no coral, pregando de algum púlpito, cuidando dos órfãos e viúvas – e mesmo assim sendo ‘mundano’ se pratico essas obras visando minha própria glória. Não é porque você se dedicou a uma vida ministerial, por exemplo, que o mundanismo fico distante da sua realidade.
 
Em segundo lugar, perceba o alcance da liberdade que Deus nos concede. Se somos uma nova criatura em Jesus Cristo, tudo de fato se fez novo! E isso incluí a maneira como enxergamos o mundo ao nosso redor. Aquele que usava seus dons para glorificar a si mesmo pode agora usa-los (e não abandona-los!) para expressar sua gratidão e adoração ao seu Deus. Aquele que antes admirava um pôr-do-sol ou um estilo musical deve agora admira-lo com ainda mais afinco, pois conhece o Deus Criador por trás disso tudo.
 
AO VIVO E EM CORES
 
Não se assuste: há muito em comum entre o cristão e a pessoa ‘do mundo’. Ambos levantem cedo para irem trabalhar em busca do sustento. Ambos tomam café com suas famílias. Ambos dão um beijo nos seus filhos antes de encarar o transito infernal das suas cidades. Ambos se cansam no escritório, tentando alcançar metas e entregar projetos. No final do dia, ambos vão assistir Netflix até tarde para no próximo dia fazer tudo de novo. Neste sentido, o cristão é “mundano”. Ele está NO mundo. Ele lida com O mundo. Ele não flutua acima das realidades mundanos. Ele vive seu dia-a-dia aqui, na planeta terra, em alguma cidade das milhões que existem no mundo.
 
Mas existe uma diferença gigantesca entre eles: o cristão foi chamado a não amar o mundo. Ou seja: sua esperança não vem deste mundo. Sua salvação não vem deste mundo. Sua recompensa não vem deste mundo. O melhor ainda está por vir. Ele não é travado a enxergar somente a realidade deste mundo. Ele enxerga também a Mão do seu Deus glorioso, bondoso, misericordioso a mexer no palco que chamamos “mundo”.
 
Seu amor não é daqui. A glória que ele deseja não é daqui. A justiça que ele enseja não é daqui. Sendo ressuscitado com Cristo, o discípulo pensa nas coisas de cima. Sua motivação é de lá. Sua liberdade e animo também.
 
O cristão foi transformado de dentro pra fora. O mundanismo não lhe satisfaz mais, porque o vazio não pode matar nossa sede por vida eterna. Achamos o Cristo, a fonte da vida – e agora desejamos um novo mundo. Dito de outra forma, desejamos um “outro mundanismo” – aquele que é norteado pela glória de Deus, sujeita a Palavra de Deus, e que celebra ser criação do Deus todo-poderoso.