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Published fevereiro 1, 2024

Houve um tempo em que eu considerava uma certa linhagem batista como sendo a única denominação autenticamente cristã. Com isso, entendia que todas as demais denominações eram variações da minha, e assim cópias mal feitas, incapazes de honrarem o nome de Deus.

“Ainda que houvessem cristãos naquelas outras denominações,” pensava eu, “eles são incapazes de obedecer a Deus ‘em espírito e em verdade’ da forma que eu consigo. Suas igrejas não são igrejas legítimas, suas pregações não são autorizadas pelas Escrituras, sua adoração não passa do teto, e o Espírito Santo jamais usará seus esforços como tem usado os esforços batistas. Os fatos são esses.”

Mas veja que engraçado (ou triste): ainda que eu pensasse dessa forma, eu amava citar os ‘velhos santos’ como J. C. Ryle (anglicano), Jonathan Edwards (congregacional) e centenas de puritanos que não criam como eu mas que Deus usou tremendamente ao longo da história da igreja. Sem muita crise de consciência, usava os comentários de João Calvino, a Concordância de Strong (metodista), os devocionais de Matthew Henry (Presbiteriano) e amava os “hinos históricos” que foram, na maioria, escritos por santos que não participavam daquela denominação que eu defendia furiosamente. Em nenhum momento me toquei quanto a essa incoerência.

Fui conhecendo outros irmãos em Cristo (que não eram batistas como eu). Homens queridos que espelhavam o amor de Cristo. Homens e mulheres que parecia ser mais dedicados ao serviço do Senhor do que eu. Isso me incomodava. Mas consegui superar. “Infelizmente, não podem desfrutar de um relacionamento pleno com o Senhor como eu desfruto.” Afinal, como é que um cristão pode ter um relacionamento pleno com Deus se ele frequenta uma igreja onde o Espírito Santo não opera? Era esse meu raciocino.

Mas a verdade é que meu relacionamento não era mais precioso, mais próximo, mais genuíno, mais profundo, mais claro. Assim como qualquer outro cristão, eu lutava com pecado, com dúvidas, com frustrações, com falta de esperança. Mas mantinha o semblante de confiança, certeza absoluta, firmeza. Quando via outras igrejas ou projetos evangélicos dando bons frutos, me consolava pensado: “Eles usam de meios irregulares para conseguir resultados temporários. Já o meu trabalho não será em vão no Senhor”.

E assim me esforcei ao máximo, como um soldado solitário, a lutar o bom combate. Muitas vezes me senti como vitima, como se fosse o único servo bom e fiel no meio de tantos servos meia-boca e infiéis.

Hoje, olhando para trás, é mais fácil enxergar meu orgulho e equívocos. É sempre assim. Enxergamos nossos tropeços só depois de fazê-los.

Mas quer saber? Durante todo aquele tempo, Deus me usou, me abençoou e me manteve no seu caminho. Por misericórdia dEle, e não mérito meu. Isso só comprova o exemplo bíblico: Deus pode usar jumentos para fazer sua obra. E por isso, Ele também pode usar homens e mulheres pecadores, fracos, arrogantes, limitados, briguentos, chatos, confusos — desobedientes.

Devemos tentar ao máximo ser obedientes? Claro, com certeza. Mas Deus pode nos usar apesar das nossas fraquezas.

Comento isso por 2 motivos:

1). Me deparo, as vezes, com aquele mesmo espirito arrogante e contencioso no meio cristão. “Não é calvinista? Não é pré/pós/amil? Ainda não foi curado de todo seu legalismo / moralismo / liberalismo? Então não pode ser usado por Deus!”

Uma das ponderações mais precisas quanto a esse assunto foi feita por John Bunyan. Ele disse que até as ordenanças — ceia e batismo — podem virar ídolos aos cristãos, quando colocamos qualificações nelas que o próprio Deus não colocou.

Da mesma forma, tenhamos cuidado em não usar de uma doutrina para medirmos nossos irmãos em Cristo se o próprio Deus não a use desta forma.

2). O que tem mais me impressionado nos meus anos de convertido é o amor que os cristãos genuínos tem para com os outros. Havia homens e mulheres que me amavam apesar das minhas visões doutrinárias. E ainda me amavam de uma forma que eu jamais teria os amado. Isso mexeu comigo, e foi uma das maneiras que Deus me convenceu que meu orgulho estava falando mais alto do que a Sua Palavra.

Ou seja: você quer mudar a visão doutrinária de alguém? Ame-o. Ridiculizar e zombar não vai ajudar. A promessa divina de João 13:35 ainda persiste: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.”